Como se veio a constatar, Ilsa Hermann não deu apenas um livro a Liesel Meminger nesse dia. Deu-lhe também um motivo para passar tempo no porão - seu lugar favorito, primeiro com o pai, depois com Max. Deu-lhe uma razão para ela escrever suas próprias palavras, para ver que as palavras também lhe tinham dado vida.
- Não se castigue - a menina a ouviu dizer outra vez. Mas haveria castigo e sofrimento, e haveria também felicidade. Em escrever.
À noite, quando a mãe e o pai foram dormir, Liesel desceu furtivamente ao porão e acendeu a lamparina de querosene. Durante a primeira hora, só fez olhar para o papel e o lápis. Obrigou-se a lembrar e, como era seu hábito, não desviou os olhos.
- Shcreibe - instruiu a si mesma. Escreva.
Passadas mais de duas horas, Liesel Meminger começou a escrever, sem saber como conseguiria fazer isso direito.
Usando uma lata pequena de tinta como assento e uma grande como mesa, Liesel pôs o lápis na primeira página. No centro, escreveu o seguinte:
A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS
uma pequena história
de
Liesel Meminger (...)
Após dez noites de redação, Munique tornou a ser bombardeada. Liesel havia chegado à página 102 e estava dormindo no porão. Não ouviu o cuco nem as sirenes, e dormia abraçada ao livro quando o pai foi acordá-la. "Venha, Liesel." Ela pegou A Menina que Roubava Livros e cada um de seus outros livros, e os dois foram buscar Frau Holtzapfel (...)
No bombardeio seguinte, em 2 de outubro, ela havia terminado. Restavam apenas algumas dúzias de páginas em branco, e a roubadora de livros já começava a reler o que tinha escrito. O livro era dividido em dez partes, todas as quais haviam recebido títulos de livros ou histórias e descreviam o modo como cada um havia afetado sua vida (...)
A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS - ÚLTIMA LINHA
Odiei as palavras e as amei,
e espero tê-las usado direito.
Lá fora, o mundo sibilava. A chuva manchou-se.
De A menina que roubava livros, Markus Zusak, Intrínseca Editora.
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